“Há pensamento estratégico na criação do discurso de ódio”, diz Felipe Neto em conferência magna

O presidente da OAB Nacional, Felipe Santa Cruz, foi o anfitrião da conferência magna do I Congresso Nacional Digital da OAB realizada com a presença do empresário Felipe Neto, conhecido por ter um dos mais populares e influentes canais no YouTube no mundo, com mais de 39 milhões de inscritos. Realizado na noite desta quinta-feira (30), a conferência debateu o tema "Como lidar com as fake news". O diálogo teve como principais abordagens do tema a questão da intolerância na internet e a tramitação no Congresso Nacional do Projeto de Lei 2.630/2020, que visa combater a disseminação de notícias falsas em redes sociais.

"Há pensamento estratégico na criação do discurso de ódio", resumiu Felipe Neto ao responder sobre o aspecto da intolerância que se verifica nas redes sociais. O youtuber se disse vítima de um ataque orquestrado de ódio e violência, uma onda não espontânea de “assassinato” de reputação. Ele falou em esquema piramidal de disseminação de desinformação usado por difamadores que operam por meio de comunicadores de mensagem privada. Ele citou WhasApp e Telegram como exemplos para falar sobre um esquema montado com o objetivo de destruir reputações.

Santa Cruz manifestou solidariedade a Felipe Neto pelos ataques que o youtuber tem sido vítima, uma campanha de difamação sistemática, intensificada nas últimas semanas. "Estou impressionado com o nível de violência que determinados setores empregam. Uma cruzada contra o seu trabalho e uma cruzada contra toda e qualquer crítica e contra todo 'inimigo em potencial', sobretudo no âmbito das redes sociais. Fui vítima também de fake news, mas nada comparável ao que você vive", disse Santa Cruz.

Segundo Felipe Neto, a estratégia de difamação contra as pessoas nas redes sociais inclui notícias falsas, fatos exagerados e acontecimentos antigos associados à vítima descontextualizados. Ele também destacou o uso da acusação de pedofilia como argumento de difamação comumente utilizado em campanhas de descrédito. Felipe Neto trouxe dados de monitoramento da citação de seu nome em grupos associados a discursos de ódio, bem como os termos associados a essas citações.

O empresário apontou a incompatibilidade da velocidade de disseminação da informação na internet com a dos trâmites processuais como grande gargalo na tarefa de combate às fake news. "Precisamos debater o aprimoramento do sistema de pedido de tutela antecipada. Temos hoje um processo muito demorado e que é suficiente para arruinar a vida de alguém", afirmou ele.

Projeto de Lei

Felipe Neto sugeriu reflexão na discussão que envolve a formulação do projeto de lei que trata do combate à disseminação das fake news. Ele apontou que foram gastos quatro anos de discussão para consolidação do Marco Civil da Internet, num processo que envolveu diversas instâncias e realização de audiências públicas. "Como se pretende legislar no Brasil a respeito das fake news, que é um tema sensível no mundo inteiro, que nenhum país do mundo conseguiu formular uma lei efetiva, em dois meses? Não há o menor cabimento por trás dessa pressa", criticou.

"Não se deve matar uma formiga com um tiro de bazuca. Mesmo que tenha milhões de formigas na sua casa, ninguém sai dando tiro de bazuca dentro de casa. Você vai destruir sua casa se fizer isso. O projeto de lei que tramita no Congresso, enxergo da mesma forma. É um projeto que destrói as liberdades que temos e coloca em grande risco a liberdade de expressão dentro do ambiente digital. Principalmente por causa da auto censura. Quanto mais repressão existe sobre as liberdades individuais e responsabilização em redes sociais, mais conteúdo será apagado sem que haja um critério", ponderou o youtuber.

Congresso debate a contribuição do direito e da cooperação jurídica no enfrentamento da crise

A prestação do serviço público de saúde foi um dos temas de destaque do I Congresso Digital da OAB, nesta quinta-feira (30). Os debates sobre as repercussões jurídicas e sociais da pandemia contou com um painel para discutir a “Tutela da Saúde Pública e a Responsabilidade da Pessoa Jurídica: aspectos penais e extrapenais”, com foco em uma abordagem no âmbito do Direito Administrativo. A palestra teve a participação de Fernanda Marinela, conselheira do CNMP, e de Rogério Sanches Cunha, promotor de justiça do MP-SP.

Os palestrantes falaram sobre a atribuição de competências para a prestação do serviço de saúde no país, regulamentação e controle desse serviço e responsabilidade administrativa, civil e penal. “A Constituição Federal norteia de quem é a responsabilidade e a distribuição da competência na prestação do serviço público de saúde. A competência é de cada um dos entes e a União precisa assumir o seu papel na coordenação dos trabalhos, conforme até mesmo decisão recente do STF. A saúde pública é indispensável para os avanços e para a manutenção da sociedade e da democracia brasileira”, afirmou Fernanda Marinela.

Já o promotor Rogério Sanches fez uma abordagem mais voltada para o campo do Direito Penal e levantou a hipótese da necessidade de se ampliar a responsabilidade penal das pessoas jurídicas para os crimes contra a saúde pública. Ele destacou diversas investigações em andamento contra gestores que, mesmo na pandemia, atuaram de forma ilícita na condução dos serviços públicos de saúde. “Entendo ser pertinente ampliar a responsabilidade penal da pessoa jurídica para os crimes contra a saúde pública. Temos que começar a repensar como queremos, efetivamente, colocar o Direito Penal nesse protagonismo, defendendo a saúde pública”, afirmou Rogério Sanches.

Epidemiologia e Direito

O painel “As pandemias e as visões da Epidemiologia, da Ciência de Dados e do Direito” trouxe uma visão multidisciplinar para o enfrentamento da pandemia. Como usar a análise de dados para tentar identificar e prever padrões e a melhoria do arcabouço legislativo nacional para responder às emergências de saúde pública em nível mundial. A conversa foi conduzida pela vice-presidente da OAB-AM, Grace Anny Zamperlini.

Apesar de serem cenários de incertezas, o doutor em epidemiologia, Wanderson Kleber de Oliveira explicou que é importante ter um plano estruturado para responder com rapidez. “Nós temos estratégias para responder antes que esses eventos ocorram, precisamos estruturar planos e capacitar a sociedade para identificar ameaças, estabelecer e reconhecer vulnerabilidades e estimar o risco diante de cada cenário”, pontuou. Atualmente já existe um regulamento sanitário internacional, porém a pandemia do novo coronavírus está mostrando que ele precisa de ajustes para melhorar a qualidade e rapidez de resposta.

Cooperação jurídica

A solidariedade e cooperação foram muito destacadas no painel “BRICS: Cooperação jurídica internacional na pandemia”. Moderado pelo coordenador de Relações Internacionais da ESA Nacional, Bruno Barata, o encontro mostrou que mesmo que cada país tenha suas particularidades no combate à pandemia, podem aprender muito uns com os outros e construir juntos práticas internacionais que fortaleçam a todos.

Para os palestrantes, é fundamental aprofundar os conhecimentos jurídicos e de saúde pública de todos, facilitando assim a coordenação de estratégias que possam ser empregadas em áreas-chave. Além da importância de resguardar o Estado de Direito, que tende a ficar fragilizado em momentos de crise, uma vez que há a tendência de se substituir os mecanismos do Direito por mecanismos administrativos adotados pelo Poder Executivo de vários países em situação de pandemia.

O BRICS é o grupo de países de economias emergentes formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Todos foram representados no painel, que contou com os advogados Alexey Klishin, da Rússia; Chamy Vu, da Rússia; Ghandu Badela, da África do Sul; Prashant Kumar, da Índia; e Yin Baohu, da China.

Agronegócio

O painel “O agronegócio, as relações jurídicas e a pandemia”, com a moderação da vice-presidente da OAB de Tocantins, Janay Garcia, teve a participação do ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Raul Araújo.

O ministro disse que o setor já é dotado “de insegurança e não necessita da colaboração do Judiciário, para ampliar essa insegurança inerente aos negócios. O Judiciário deve ter cuidado ao interferir nas relações jurídicas”. Ao se referir ao agronegócio, lembrou que as repercussões da pandemia têm sido menos severas nesse setor, principalmente, em relação aos alimentos, gêneros de primeira necessidade, que têm “sofrido efeitos menores do que têm ocorrido em outros setores como a economia, o turismo e o entretenimento”.

Raul Araújo disse, ainda, que o STJ está enfrentando um interessante tema que diz respeito à recuperação judicial do produtor rural, uma vez que fixou marco temporal definidor dos créditos submetidos aos efeitos de recuperação judicial, em favor de produtor rural que exerce atividade empresária.

Fake News e eleições

O vice-presidente da OAB Nacional, Luiz Viana Queiroz, foi o moderador do painel “Fake news nas eleições: diálogo constitucional”, com a palestra do procurador-geral da República, Augusto Aras. Aras ressaltou que as fake news são uma grande preocupação e que o desafio maior que o país deve enfrentar é descobrir um remédio para combater esse mal que realiza grande desserviços para a democracia brasileira.

“Esta é a nossa dificuldade. Sabemos que o Poder Judiciário Eleitoral vem, de todas as formas, editando medidas de controle dessas fake news. A maior gravidade é que elas interferem na formação do consenso social, forja um eleito ou, pior, derrota candidaturas legítimas em razão de uma metodologia de comunicação de massa, muitas vezes, valendo-se de meios fraudulentos, de polarizações que tornam artificiais os graves problemas sociais, políticos e econômicos”, afirmou o procurador-geral.



O presente e o futuro da advocacia em face da pandemia foram discutidos no congresso digital

As mudanças provocadas pela pandemia com profundos impactos na sociedade do ponto de vista do exercício da advocacia foram debatidas, nesta quinta-feira (30), durante o I Congresso Digital Nacional da OAB. Mediado pela vice-presidente da OAB-RO, Solange Aparecida da Silva, o painel "Julgamentos, audiência virtuais e o futuro da advocacia", teve a contribuição do presidente da OAB-SP, Caio Augusto Silva dos Santos; do presidente da OAB-SC, Rafael de Assis Horn; e do deputado federal, Marcelo Ramos.

Horn falou sobre as audiências virtuais. Segundo ele, as inovações propostas já antes da pandemia e intensificas pelo surto da covid-19 devem ser implantadas de maneira não excludente. O presidente da OAB-SC afirmou que o momento atual demanda duas reflexões: a primeira é, apesar do uso de ferramentas tecnológicas, o respeito à liturgia inerente ao tipo de audiência virtual que se realiza. A segunda seria a observância e o respeito às prerrogativas da advocacia.

O presidente da seccional paulista ponderou sobre o compromisso da advocacia com a lei, que salientou, é o instrumento usado diariamente por todos os advogados para defender o cidadão. De acordo com Santos, o direito processual precisa de regras rígidas e isso tem uma importância singular quando a pandemia impõe o isolamento. Ele criticou a falta de padronização das normas adotadas pelos diferentes tribunais nesse contexto e apontou que isso dificulta o exercício da advocacia.

Proteção da advocacia

Com a nova realidade de isolamento social imposta pelo coronavírus, é preciso se adaptar às novas realidades e ferramentas, o que traz grandes desafios para os profissionais. A garantia do exercício da advocacia nesse período foi o tema central do painel “A proteção da advocacia em tempos de pandemia”, moderado pelo conselheiro federal da OAB, Vilson Marcelo Malchow Vedana. A conversa foi realizada entre presidentes das seccionais Alberto Campos, do Pará; Luciano Bandeira Arantes, do Rio de Janeiro; e Raimundo Cândido Junior, de Minas Gerais.

Para os presidentes das seccionais, a principal mudança tem sido o trabalho remoto, que permite o funcionamento do sistema Judiciário nesse período, mas que traz o desafio da falta de padronização de normas para todo o país dadas as especificidades de cada região. Eles alertam sobre as dificuldades de acesso às tecnologias e de conexão que devem ser considerados para o amplo exercício da advocacia. E ainda mostram preocupação com a continuidade dos processos físicos, que estão parados, visto que a maioria dos tribunais permanece fechada para atendimento externo.

Nova advocacia

O painel “A “nova” advocacia e as novas relações pessoais e profissionais po´s-covid-19” contou com as palestras do diretor tesoureiro da OAB Nacional, Jose´ Augusto Araújo de Noronha; do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Edson Fachin; e do historiador Leandro Karnal.

O ministro Fachin embasou a sua palestra nas premissas de que a pandemia não é uma causa e sim um efeito e que democracia é a possibilidade para enfrentar toda e qualquer crise. “A resposta para enfrentar a pandemia não depende apenas de uma vacina, mas de políticas públicas de saúde, sociais inclusivas, igualdade, transparência, eticidade, moralidade pública e objetiva, que independem de ideologia”, disse.

Fachin destacou ainda a necessidade da adoção de tecnologias para não desmatar, não poluir, não aniquilar os povos indígenas. “Creio na nossa capacidade de invenção, cidadãos, juízes e jurisdicionados e que daremos conta desse desafio. Não podemos dizer que, com a pandemia, não podemos respirar. Precisamos desse oxigênio para a sobrevivência da sociedade e que seja um oxigênio que traga esperança. Que as mortes não sejam em vão. Essa é a minha esperança”.

Karnal destacou que o advogado é um operário do Estado Democrático e aconselhou: “O jovem advogado deve inovar, conhecer, aprender a tecnologia mais avançada. O bom direito é feito de uma excelente hermenêutica, que implica recursos filosóficos e pleno domínio da língua portuguesa”, disse.

O historiador ressaltou ainda que os advogados, os juízes e os membros do Ministério Público são bases essenciais para o Estado Democrático. A respeito da liberdade de expressão, disse: “prefiro ouvir bobagens na internet ao silêncio da ditadura. Prefiro opiniões contraditórias para que eu possa selecionar e oferecer às pessoas a possibilidade de alcançar conhecimentos”.

Publicidade na advocacia

O painel “Publicidade e Ética em tempos de isolamento social” discutiu os limites da publicidade para a advocacia e os impactos trazidos pela pandemia no processo de alteração das normas. O moderador dos debates foi o secretário-geral adjunto da OAB Nacional, Ary Raghiant. Os palestrantes falaram sobre a atual regulamentação da publicidade e as propostas para atualização no provimento que trata do tema, para permitir uma maior inclusão digital e tecnológica.

Os debatedores ressaltaram que a pandemia acabou por acelerar as mudanças nas rotinas de trabalho, com impacto direto para a advocacia. A preocupação dos expositores é com a necessidade de atender às novas demandas de publicidade, principalmente da jovem advocacia, sem ultrapassar os limites éticos. Eles reforçaram que a advocacia não é uma mera atividade profissional, mas sim um múnus público. Para os participantes do painel, mais do que um poder, é um dever da OAB regulamentar e estabelecer balizas quanto à publicidade para a advocacia.

No quarto dia de congresso, o painel “Poder Judiciário e Aprimoramentos na Pandemia” teve a contribuição do presidente da OAB-MA, Thiago Diaz, e do conselheiro do Conselho Nacional de Justiça, Emmanoel Pereira. No painel “O Pagamento de Precatórios para o Enfrentamento da Crise” teve a participação da vice-presidente da OAB-RJ, Ana Tereza Basílio.