Estadão: Não consigo ter como ideal de justiça uma espécie de velho oeste, diz presidente da OAB

A edição desta sexta-feira (3) do jornal O Estado de São Paulo traz uma entrevista com o presidente nacional da OAB, Felipe Santa Cruz. Clique aqui para ler no site do jornal ou confira abaixo a íntegra da matéria:

Diante da decisão do governo de avançar no excludente de ilicitude, o que se pode esperar como desdobramento?

Não consigo ter como ideal de Justiça uma espécie de Velho Oeste, onde todos vão andar armados na sala de aula, na rua. Claro que entendo que em algumas situações, como no campo, isolado, o porte de arma é necessário. Agora, acho esta uma bandeira que não é civilizatória. Dizer que a polícia brasileira precisa de uma autorização para matar ainda mais? Uma polícia que já é uma das que mais matam no mundo? E das que mais morrem? Acho que as saídas para esta crise são mais complexas que pôr arma na mão de cada cidadão.

Como o sr. avalia o pacote anticrime do ministro Sérgio Moro? 

Tem pontos positivos, como o banco de dados genético, a criminalização do Caixa 2. Mas tem coisas que são mais do mesmo. É mais encarceramento, num sistema que tem 200% de superlotação e onde presos são mão de obra para organizações que têm seus líderes presos. Acho que precisamos de mais do que as medidas do ministro.

A OAB entrou com pedido que adiou o julgamento da prisão em segunda instância no Supremo Tribunal Federal. O que motivou isso?

Sou parte, né? E parte da sabedoria de conduzir um processo é saber o momento ideal de ele ser julgado. Se sou um bom advogado, vamos descobrir em alguns meses (risos). 

Mas o STF decidiu numa direção e, agora, poucos meses depois, pode rever o entendimento. Não temos insegurança jurídica demais nesse tema?

Não só nesse, em vários. É um país onde as regras mudam ao sabor do vento. Mas a OAB entende que o texto constitucional fala em prisão após o trânsito em julgado. Este é o texto da lei. Que se desafie uma PEC, se for possível. Mas o texto da lei é de uma clareza solar. 

O sr. é a favor de dar mais poder a órgãos de controle no combate à corrupção? Por exemplo, o Coaf deve permanecer no Ministério da Justiça? 

Não sou especialista, mas em todos os lugares do mundo o Coaf é um órgão acessório da Economia e da Receita Federal. O que não se pode é criar uma supersecretaria de supervisão da vida privada onde as regras não funcionem de maneira transparente. 

O sr. é a favor de uma quarentena no Judiciário? 

Sim, acho que temos que ter um bom tempo. Defendemos que a quarentena do juiz não é só dele. Se ele ingressa numa sociedade, por exemplo, a quarentena deveria ser do escritório todo. 

O ministro Sérgio Moro deveria ter uma quarentena se for para o Supremo Tribunal Federal?

Eu entendo que sim, mas aí por outra razão que eu não considero boa institucionalmente. O processo de seleção de ministro do Supremo acaba sendo um processo de seleção dos amigos do presidente. É um processo de escolha que precisa ser aprimorado. 

Houve exagero do STF no inquérito que apura fake news?

Acho o episódio das fake news gravíssimo. Existe uma milícia virtual contra qualquer um que tente trazer questões mais complexas para o debate político. Você logo é tachado de comunista. Agora, o que ocorreu – e a Ordem tem posição pública sobre isso – é o erro de isso tudo ser confundido com a questão da liberdade de imprensa.

Deu na Folha: Imprensa livre, essência da democracia, por Felipe Santa Cruz

A Folha de São Paulo publicou, nesta sexta-feira (3), artigo de autoria do presidente nacional da OAB, Felipe Santa Cruz, em defesa da liberdade de imprensa. Clique aqui para ler no site da Folha ou veja abaixo a íntegra do artigo:

Imprensa livre, essência da democracia

Felipe Santa Cruz

Como garantir a liberdade de imprensa em tempos de retrocessos democráticos em todo o mundo, de proliferação de notícias falsas e de ascensão da intolerância que contamina a sociedade?

Eis um grande desafio do nosso tempo. Eis porque, neste dia 3 de maio, que celebra o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, tem significado especial para todos aqueles que acreditam, como Rui Barbosa, o patrono da advocacia brasileira, que a palavra é o instrumento irresistível da conquista da liberdade. Disse Rui Barbosa: "A palavra aborrece tanto os Estados arbitrários, porque a palavra é o instrumento irresistível da conquista da liberdade. Deixai-a livre, onde quer que seja, e o despotismo está morto”. 

No livro "Como as Democracias Morrem", os professores de Harvard Steven Levitsky e Daniel Ziblatt identificam alguns pontos comuns para a ascensão de um regime autoritário. Um deles é a “propensão a restringir liberdades civis de oponentes, inclusive a mídia”.

É essencial estarmos atentos a esses sinais. Democracia é um bem mais frágil do que aparenta, e sem cuidado e proteção da sociedade, ela pode definhar. E quando a democracia começa a ser asfixiada, em geral, segue um roteiro que começa com direitos de defesa sendo cassados, jornalistas e opositores sendo censurados, coagidos ou ameaçados. 

A Constituição proíbe a censura, em seu artigo 220 e em diversos incisos de seu artigo 5.º. Assegura o acesso à informação; resguarda o sigilo da fonte (inciso XIV); assegura o acesso às informações de órgãos públicos (inciso XXX); protege a livre manifestação do pensamento (inciso IV) e a liberdade de expressão (inciso IX); garante a inviolabilidade da vida privada (inciso X); o direito de resposta (inciso V) e o direito à indenização por dano material ou moral à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas (inciso X).

Ao julgar a ADPF (arguição de descumprimento de preceito fundamental) 130, "leading case" na matéria, nossa corte constitucional, pelo voto do então ministro Ayres Britto, teve a oportunidade de consignar que a liberdade de imprensa é verdadeira fonte da democracia e, por essa razão, não pode sofrer embaraços nem nenhum tipo de regulação, sendo causa indispensável para a eficácia dos direitos emanados da vida em sociedade.

Reagir a cada tentativa de cerceamento de liberdade de expressão e de imprensa, não importa se a ideia nos desagrada ou não, é um princípio para a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

Em todo o mundo, sociedades, governos e até empresas se preocupam cada dia mais com a divulgação de notícias falsas, em especial nas redes sociais, e seu efeito nefasto para a democracia. 

A União Europeia lançou, ainda em 2018, uma força-tarefa para combater as fake news, destacando que elas se propagam de maneira preocupante, além de serem uma ameaça para a reputação da imprensa e para a democracia. No Brasil, estamos experimentando, de forma crescente nos últimos anos, uma clara ação orquestrada de grupos nas redes sociais divulgando inverdades, atacando reputações, frequentemente de jornalistas.

Tenho dito que estamos diante de verdadeiras milícias digitais, capazes de espalhar ódio e envenenar a sociedade com intolerância e interdição do diálogo. Existe clara intenção de minar a confiança na democracia, negar a legitimidade dos oponentes políticos a determinadas ideias e, muitas vezes, encorajar a violência.

Desde o início de nosso mandato, reafirmamos o compromisso da OAB com a liberdade de expressão e de imprensa, como pressupostos do regime democrático que juramos defender. Não por acaso, o Conselho Federal da OAB criou em fevereiro um Observatório de Liberdade de Imprensa. A imprensa livre, crítica e independente se faz hoje mais necessária do que nunca.

Se a desinformação ameaça a democracia, a imprensa livre é essencial para a democracia viver.

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Felipe Santa Cruz
Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)