Grandes Temas: Processo constitucional foi o tema do debate no Painel 4 da XXIII Conferência

Brasília - Na sequência da série “Grandes Temas”, onde o Conselho Federal da OAB traz uma retrospectiva dos debates realizados durante a XXIII Conferência Nacional da Advocacia Brasileira – realizado em novembro de 2017, em São Paulo – é hora de relembrar o quarto painel do maior evento jurídico do mundo. Leia abaixo:

Painel 4: Debate sobre processo constitucional norteia discussões na XXIII Conferência Nacional

Debates sobre Processo Constitucional guiaram o Painel 4 da XXIII Conferência Nacional da Advocacia Brasileira. Realizado na tarde desta segunda-feira (27), o encontro reuniu nomes importantes do meio jurídico e abordou temas como crise política, jurisprudência e neoconstitucionalismo. 

Mais de mil pessoas prestigiaram os participantes o painel, que foi presidido por Walter Ohofugi Junior, presidente da OAB de Tocantins, que durante a abertura ressaltou a importância do debate tendo em vista a “crise sem precedente no país”, apontada por ele como “uma crise institucional e moral”.

A mesa reuniu nomes importantes do meio jurídico nacional, com os ministros Gilmar Mendes (STF), Herman Benjamin (STJ) e Sebastião Reis (STJ). O painel teve como relatora Gisele Fleury Charmillot Germano de Lemos e, como secretário, Solano Donato Carnot Damacena. Completaram a mesa os conselheiros federais da OAB Flávio Pansieri e Thiago Rodrigues de Pontes Bomfim; os advogados Ana Paula Oliveira Ávila e Arnoldo Wald; e a professora Cláudia Schwerz Cahali (PUC-SP).

O ministro Gilmar Mendes abriu a discussão destacando a Constituição Federal de 1988 como a “mais longeva” da história republicana brasileira, iniciada em 1889. “É preciso ter espírito aberto para, quando criticarmos a Constituição, reconhecer a sua importância”, afirmou.

Mendes disse que a Carta Magna opera bem mesmo após o impeachment de dois presidentes da República: Fernando Collor de Mello (1992) e Dilma Rousseff (2016). “A Constituição de 1988, mal falada e mal compreendida, é, ironicamente, a Constituição mais longeva e a que deu maior estabilidade institucional. Ela vem sendo testada em momentos muito difíceis, como graves crises institucionais e dois impeachments, mas nos trouxe um dado de normalidade”, disse.

Mendes destacou o importante papel do Supremo ao regular temas constitucionais que dificilmente seriam tratados pelo Congresso Nacional, como o aborto de feto anencéfalo e a união homoafetiva.

No entanto, o ministro, que é também presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), considerou uma “tragédia” a recusa do STF em impor uma cláusula de barreira aos partidos políticos. Para ele, a medida teria contribuído para evitar o número excessivo de partidos. O Brasil tem hoje 35 legendas legalizadas, sendo 28 delas representadas no Congresso. 

Crise partidária

O ministro Herman Benjamin falou sobre a “crise profunda dos partidos”, mas destacou que “sem os quais não temos democracia”. Ele criticou, porém, o comando fixo de legendas e a manutenção desse quadro pela reforma política aprovada neste ano pelo Congresso “O Congresso disse que os partidos podem continuar com donos, como se fossem capitanias hereditárias. Alguns deles são capitanias hereditárias. Basta olhar a composição, sobretudo quem é o presidente e o tesoureiro, onde há vínculo familiar”, afirmou o ministro do STJ.

O magistrado avaliou que, apesar de as garantias previstas na Constituição seguirem relevantes, as instituições vivem um momento de instabilidade pela turbulência política.  “Hoje, vivemos num país em que as próprias instituições estão em vulnerabilidade”, disse. O ministro afirmou que “o curso da república brasileira está ameaçado por essa vulnerabilidade, que já não é mais das pessoas, é institucional”.

De acordo com Benjamin, é importante melhorar o mecanismo de elaboração e apresentação de ações civis públicas ante o cenário no qual o Poder Judiciário não tem “mecanismo de defesa para a compra de Medida Provisória, de compra de lei” no âmbito do Legislativo --como revelado pela Operação Lava Jato.

Excesso de processos

Já o ministro Sérgio Reis chamou atenção para o excesso de ações nos tribunais brasileiros. Ele apresentou diversos números, entre eles o de que cada ministro do STJ julgou 648 habeas corpus somente no mês de outubro. Reis defendeu que os entes do Judiciário e da Advocacia sentem para dirimir gargalos e estimular a adoção de decisões precedentes de tribunais superiores por cortes de tribunais inferiores. “Não adianta mais o juiz de um tribunal ficar aplicando aquilo que ele acha o mais correto. Temos uma hierarquia e é preciso segui-la”, defendeu. 

O ministro criticou magistrados que, segundo ele, insistem “nisso de cada um ter a sua lei, a sua interpretação da lei”. “Isso não é bom para a magistratura, não é bom para a Justiça”, disse.

O advogado Arnoldo Wald defendeu a participação do advogado na articulação sugerida pelo ministro Sebastião Reis. Segundo ele, cabe ao advogado “apresentar aos juízes os fatos para os quais ele não tem tempo para fazer a reflexão”. 

Wald, que integra um dos escritórios de advocacia mais antigos em atuação no Brasil, defendeu a categoria com um discurso bastante aplaudido no final da apresentação. “Jamais os advogados foram tão importantes como nesse momento da vida brasileira. Ele é o defensor das instituições [diante] da vulnerabilidade”, disse, fazendo referência ao ministro Herman Benjamin.

Em linha com a apresentação do ministro Reis, a professora Cláudia Schwerz Cahali criticou a cultura do litígio e da transferência de resoluções para “terceiros”, com a qual o brasileiro se habituou. “Temos uma cultura da sentença. Temas importantes como mediação e arbitragem não são matérias obrigatórias da grade curricular dos cursos de direito”, afirmou.

Ela defendeu a arbitragem e outros mecanismos de mediação como necessários para reduzir a judicialização nociva existente no país. “O conflito é da natureza humana, mas há casos em que o advogado pode contribuir”, disse.

Neoconstitucionalismo

O conselheiro federal da OAB Flávio Pansieri ressaltou a “grande revolução constitucional em 1988”, que, segundo ele, “não foi a possibilidade de escolhermos o presidente da República, mas o enclausuramento do direito normativo do Estado.” Ele criticou movimentos que tentam sugerir um “neoconstitucionalismo” e avalia que teorias nesse sentido “fundam-se em valores que podem estar fora do direito”, ameaçando o Direito Constitucional.

Nesse sentido, o conselheiro federal e ex-presidente da Seccional da OAB em Alagoas, Thiago Rodrigues de Pontes Bomfim, destacou a importância de se interpretar os “os dispositivos [constitucionais] de acordo com os princípios com os quais foram criados”.

A advogada Ana Paula Oliveira Ávila, integrante do Conselho Superior de Advocacia da OAB do Rio Grande do Sul, alertou para o risco de se tentar validar provas obtidas de forma ilegal sob o argumento de atender ao “interesse público”. Mudar a norma restringiria direitos do cidadão e o colocaria sob o risco de se validar a tortura como prática de obtenção de confissão. “Essa é uma norma que não deixa dúvida na forma como está prevista. Se ilícita, a prova não pode ser admitida no processo”, disse Ana.


Grandes temas: Painel 3 da XXIII Conferência analisou passos rumo à reforma política

Brasília - Na sequência da série “Grandes Temas”, onde o Conselho Federal da OAB traz uma retrospectiva dos debates realizados durante a XXIII Conferência Nacional da Advocacia Brasileira – realizado em novembro de 2017, em São Paulo – é hora de relembrar o terceiro painel do maior evento jurídico do mundo. Leia abaixo:

Painel 3: Os passos para a necessária reforma política debatidos no evento

A análise sobre as causas e possíveis soluções para a crise institucional que vitima o Brasil desde as últimas eleições presidenciais ditou o debate do Painel 3 da XXIII Conferência Nacional da OAB, nesta segunda-feira (27), em São Paulo.

A mesa “A Necessária Reforma Política”, sob a mediação de Luís Cláudio Alves Pereira e Pedro Henrique Braga Reynaldo Alves, conselheiros federais da OAB, contou com Admar Gonzaga, ministro do TSE, Aldo Arantes, advogado e deputado constituinte em 1988, André Lemos Jorge, advogado e professor da Uninove, Tiago Asfor, juiz do TRE-CE, e Luciana Nepomuceno, conselheira federal da OAB. 

O presidente do Conselho Federal da OAB, Claudio Lamachia, compareceu durante os debates e fez um breve pronunciamento saudando os presentes. “Expresso aqui a posição do Conselho Pleno da OAB, órgão máximo de deliberação e que, de fato, decide pela entidade. Vemos um Congresso Nacional ainda tímido na abordagem do tema, ainda muito incipiente, mantendo práticas obscuras e criando mecanismos de subterfúgio como um fundo bilionário para financiar suas vontades. É absolutamente fora da realidade brasileira”, apontou. 

Os conferencistas apresentaram, cada um, aspectos distintos envolvidos no debate da reforma política. Gonzaga, do TSE, abriu o diálogo com uma ponderação sobre a real representatividade popular permitida pelo sistema eleitoral vigente. “O nosso sistema é dirigido aos políticos, como se fossem pessoas ungidas, castas elevadas da sociedade para dirigir as nossas vidas. E nós vemos muito pouca mudança na fisionomia desses políticos, são sempre os mesmos. Por quê? Porque nós temos um sistema de legislação partidária, eleitoral e política elaborada por aqueles que são destinatários da própria norma”, afirmou.

Para Gonzaga, há dois movimentos realmente capazes de dar início à mudança desse ciclo vicioso: a cláusula de barreira, aprovada pelo Senado em outubro deste ano e que aguarda a sanção presidencial, e uma maior participação da população nos partidos.

"Hoje, muitos partidos têm donos, oligarcas. E antes das eleições já sabemos tudo: quem serão os puxadores de voto, quem será eleito, quem são as mulheres que estão nos partidos apenas como 'laranjas de saias' para cumprir a legislação...", exemplificou. "Esses grupos obstruem a democracia. O presidente, quando for aprovar uma lei, vai precisar negociar com eles".

Com a cláusula de barreira, que, se sancionada por Michel Temer, reduzirá o número de partidos qualificados a disputar vagas no Parlamento, Gonzaga acredita que os partidos precisarão se reorganizar em torno de identidades ideológicas e, assim, abrirão necessariamente espaço para a disputa interna e para que a sociedade tome os partidos. O ministro ressaltou que esse é o primeiro passo, antes mesmo de mudar as regras eleitorais vigentes, para conquistar mudança.

"Falam da cota para mulheres no parlamento, mas acho que, primeiro, deveria haver a cota para mulheres na direção partidária. Só assim pode haver democratização das legendas. Só existe democracia onde há igualdade de gênero. E onde não há igualdade de gênero hoje? Nos partidos", concluiu.

Democracia, só com igualdade

Luciana Nepomuceno, conselheira federal da OAB por Minas Gerais, expôs dados que demonstram quantitativamente o abismo entre homens e mulheres na ocupação das posições de poder político no Brasil: com apenas 9,9% de parlamentares mulheres, o país hoje ocupa a 115ª posição no ranking global da igualdade de gênero na política, atrás de nações como Afeganistão, Israel e Venezuela --na América Latina, estamos à frente apenas do Haiti.

Luciana expôs ainda que, em 2014, 90% das mulheres que concorreram a algum cargo não foram eleitas; em 2016, 95% das concorrentes foram derrotadas nas urnas. Após a última eleição municipal, foram eleitos 4,9 mil prefeitos, contra apenas 640 prefeitas no Brasil.

"Essa situação é o preconceito de gênero, social, que se estende ao espaço infrapartidário. Por isso, é necessário que haja democracia no âmbito dos partidos. Fizemos uma pesquisa com mulheres candidatas a vereadora nas eleições do ano passado e o resultado é que elas se sentem candidatas de segunda categoria, humilhadas, sem dinheiro, sem material. Isso é um óbvio desestímulo para as mulheres e suas candidaturas", relatou.

Luciana afirmou, ainda, que conhece de perto o problema das "mulheres fruta", mais especificamente, as "mulheres laranja". "Quando olhamos os dados da última eleição municipal, vemos que 46 mil candidatas a vereadoras tiveram dez votos ou menos, e, dessas, 40% não receberam voto nenhum, nem mesmo o seu próprio", contou Luciana.

Mesmo esses que parecem casos de fraude relativamente simples de identificar, porém, devem ser observados com atenção, de acordo com Luciana: "O Ministério Público fez uma ação contra essas fraudes, mas constatamos que é muito comum, também, que as mulheres com nenhum voto fossem candidatas legítimas, mas que, ao encontrarem o tratamento habitual dedicado às candidatas em seus partidos, simplesmente desistiram da campanha. Não queriam, mas foram usadas apenas para preencher a cota legal".

O Judiciário também engessa a política

O presidente da OAB da Bahia, Luiz Viana Queiroz, ressaltou que o próprio Judiciário também é responsável por alimentar as idiossincrasias da atual política brasileira. “O direito eleitoral, de certa forma, aprisionou a política", afirmou. "O excesso e o rigor das regras, com o objetivo de conter ou reprimir o abuso de poder, para garantir a legitimidade do resultado, acabou por gerar o efeito oposto: falta de representatividade na política", explicou.

Viana relembrou que, nas últimas décadas, a palavra final sobre os resultados das eleições invariavelmente tem sido dos tribunais e não das urnas. O caso mais recente foi o julgamento da chapa Dilma-Temer pelo TSE, neste ano. "Um candidato que não tem um bom advogado e um bom contador é melhor nem entrar na disputa, porque vai certamente ser derrubado nas tecnicalidades. As mesmas com as quais os cidadãos comuns nem conseguem lidar", afirmou.

"Vemos sempre políticos acusados de receber propina dizendo que, na verdade, tratava-se de caixa 2. Mas todos com as contas aprovadas no TSE. Ou seja, ao invés de ser um mecanismo para garantir a legitimidade da eleição, a prestação de contas serve, por um lado, para impedir a entrada do cidadão comum na disputa e, por outro, para camuflar o corrupto", ponderou.

André Lemos Jorge, professor da Uninove e ex-juiz do TRE-SP, também relatou como o sistema é frequentemente usado por quem tem intimidade com os mecanismos para beneficiar a própria categoria.

"Quando cheguei ao TRE, ouvíamos todas as vezes os princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e eu fui até estudar, porque, como professor, eu nunca ouvi esses princípios sendo aplicados por advogados e promotores como estavam sendo feitos, sobre os temas mais diversos. E, realmente, o único fator comum que encontrei nos pedidos que analisei era a comodidade de quem o pediu", relatou.

Jorge ressaltou ainda que, atualmente, já há uma infinidade de "minirreformas" políticas após cada eleição, por meio do Congresso ou provocadas por ações de candidatos e partidos na Justiça Eleitoral, e que forçam mudanças no regulamento eleitoral. "Já fui contra a cláusula de barreira, mas, na minha experiência no TRE, vi como, a cada ano, às vésperas das eleições, eram criados diversos diretórios municipais de partidos apenas para integrar coligações. Posso até voltar a mudar de ideia, mas, hoje, acho que é uma medida necessária para ordenar o sistema", refletiu.

Aldo Arantes foi o único integrante da mesa a discordar da cláusula de barreira como medida capaz de avançar a solução de todos problemas expostos pelo debate. Arantes relatou como, desde que foi presidente da UNE à época do governo de João Goulart, tem sido testemunha das mesmas manobras pelos grupos dominantes da política, com o objetivo da autopreservação.

"Vejo, hoje, surgindo o parlamentarismo como opção, novamente. Foi assim na época da 'Crise da Legalidade', quando não queriam deixar Jango assumir a presidência, foi isso o que fizeram. Essa medida é para que? Para que o povo não escolha o presidente. As reformas políticas que se propõem hoje também são, em maioria, dessa forma: mantém os privilégios desses grupos", afirmou.

Arantes é uma das lideranças da campanha da OAB por um projeto de lei de iniciativa popular com uma reforma política robusta. "Mas levamos o projeto, com mais de 900 mil assinaturas, para o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha. Ele teve poder para engavetar sem nem ler um projeto apoiado por quase um milhão de brasileiros", lamentou.

"Só será possível encontrar solução se o critério da reforma for a soberania popular", concluiu Arantes.