Deu no Correio Braziliense: Adivinhe quem vem para a ceia do Natal?

Brasília - Confira a coluna desta segunda-feira (16) do jornalista Luiz Carlos Azedo, favorável a ação do Conselho Federal da OAB, que busca o fim do financiamento privado de campanhas eleitorais. Como já aconteceu algumas vezes, os nossos políticos estão em pânico em razão de uma iminente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que julga ação impetrada pela OAB para que o financiamento de campanhas por empresas seja considerado ilegal. A medida praticamente desestrutura todo o atual sistema de doações, ao restringi-lo às pessoas físicas, o que significa não pôr quase nada no lugar para a maioria dos partidos. Como financiamento de campanha por empresas é considerado quase um sinônimo de superfaturamento de contratos de execução de obras, prestação de serviços e fornecimentos de insumos à administração pública, a decisão do Supremo tem certa simpatia de formadores de opinião e pode cair no gosto popular. O julgamento foi suspenso quando estava 4 a 0, pelo ministro Teori Zavaski, que pediu vistas do processo. Se for retomado nesta semana, provavelmente será concluído com uma maioria a favor da proibição. A não ser que haja uma forte reação do Congresso, que mais uma vez teve suas atribuições "judicializadas" porque se omitiu da questão. Assim como o voto proporcional unipessoal, o atual sistema de votação, que é considerado "imexível" pela maioria dos deputados, o financiamento de campanha também é um tema tabu no Congresso Nacional. Mexer no atual sistema, somente se for de forma cosmética, como aconteceu até agora. Com licença de vegetarianos e outros defensores dos direitos dos animais, no Congresso, fazê-lo é mais ou menos a mesma coisa do que convidar o peru para a ceia de Natal. Nossos políticos até hoje não se deram conta de que o modelo de financiamento da política está esgotado. Foi preciso o Supremo meter sua colher nessa panela para caírem na real. O fato é que o atual modelo de financiamento é a raiz de um fenômeno que começa a comprometer nosso sistema representativo, com a avassaladora vantagem adquirida pelo poder econômico em relação ao voto de opinião. Hoje, não existe campanha com chance de sucesso se não tiver "estrutura", o que, no jargão dos políticos, significa dinheiro para contratar marqueteiros e uma militância quase toda ela profissionalizada, com honrosas exceções. Dirigentes sindicais, líderes comunitários, blogueiros, o que não falta é gente ansiosa pelo começo da campanha para ganhar uns trocados a mais. No caso de marqueteiros e outros profissionais especializados, o custo disso está na casa dos milhões. De onde vem esse dinheiro? Ora, vem das empresas que prestam serviços ao governo ou têm algum outro interesse específico no Congresso Nacional. Como já comentei por aqui, numa ordem capitalista democrática, há dois tipos de políticos: os que defendem o bem comum e os que veem a política como negócio. Os primeiros dependem, teoricamente, do voto da opinião pública; os segundos, do poder econômico. Nos Estados Unidos, o lobby é legalizado para que o sistema funcione com transparência e o eleitor possa escolher com mais segurança que tipo de político o representa. No Brasil, todo político só defende o bem comum, nenhum assume a política como negócio, mas hoje é que mais têm no Congresso são os segundos. O mais curioso é o envolvimento das grandes empresas do país no financiamento da campanha, muitas vezes por meio de "caixa dois". Se for feito um cruzamento de dados das "pessoas jurídicas" envolvidas nos escândalos, veremos que há muitas coincidências. Algumas grandes empreiteiras do país são arroz de festa nos casos de superfaturamento. Ou seja, o sistema está "bichado". Como financiar campanhas caríssimas? A saída pode ser um sistema híbrido, no qual cada um poderia escolher entre o financiamento público e as doações privadas, como nos lembrou ontem a nossa colega jornalista Tereza Cruvinel. Essa é a proposta apresentada pelo deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP), coordenador da comissão especial da reforma política da Câmara. A ideia, porém, nunca foi levada a sério pelos partidos, a começar pelo PT, que renega a proposta e está satisfeito com o rumo da votação no Supremo. Por que esse contentamento? Ora, porque numa situação de terra arrasada, o PT leva a vantagem de ser o partido com mais militantes e, simultaneamente, controlar as relações do governo com os maiores empresários do país. Para encerrar o assunto, um breve comentário sobre o papel do iluminismo nas decisões do Supremo, que foi enaltecido pelo ministro Luiz Roberto Barroso. Não haveria o Estado moderno, democrático, sem o racionalismo e os iluministas, que apartaram as questões de Estado das religiões. Montesquieu, o pai do sistema de "trias política", dizia que quando o Executivo e o Legislativo estão juntos, não pode haver liberdade. Por isso, caberia ao Judiciário interpretar as leis, e não aos demais poderes. A Constituição dos Estados Unidos e a Revolução Francesa universalizaram esse princípio do liberalismo, que agora está sendo exercido com pleno vigor pelo Supremo Tribunal Federal.

Pesquisa: 78% dos brasileiros rejeita verba de empresas em campanhas

Brasília – Recente pesquisa encomendada em julho deste ano pela OAB Nacional ao Ibope revela que 78% da população é contrária as doações de empresas para campanhas, e 80% afirma que deveria haver um limite máximo pra uso de dinheiro público. “O resultado deixa claro que este balcão de negociações em que se transformou o financiamento de campanhas não será mais tolerado pelo eleitor”, afirmou o presidente nacional da OAB, Marcus Vinicius Furtado Coêlho. Outro ponto com ampla aprovação é em relação à punição mais severa para a prática de caixa dois, que recebe o apoio de 90% dos entrevistados. Para conferir a íntegra da pesquisa, clique aqui.

Deu no Estadão: O germe de uma revolução

Brasília - Confira o editorial da edição de domingo (15), do jornal O Estado de São Paulo, que apoia ação proposta pelo Conselho Federal da OAB, contra o financiamento privado de campanhas. Quando o dinheiro fala, o som costuma ser ensurdecedor. Dos R$ 6 bilhões arrecadados pelos candidatos na última eleição nacional, cerca de 95% vieram de 1.900 pessoas jurídicas. Elas podem doar até 2% do faturamento bruto do ano anterior ao do pleito. Sem essa dinheirama, os políticos nem em sonho teriam como custear as extravagantes campanhas encenadas a cada disputa no impropriamente chamado horário gratuito - porque o contribuinte, afinal, é quem arca com o preço do tempo cobrado pelas emissoras de rádio e de TV. Calcula-se que, para ter chances reais nas urnas, um candidato a deputado federal precisa desembolsar, em média, R$ 1 milhão. A senador, R$ 4,5 milhões. A governador, R$ 23 milhões. A presidente da República, R$ 300 milhões. E quanto maior o dispêndio, maior a probabilidade de êxito. Mais importante ainda, calcula-se que, para cada R$ 1 doado por uma empresa, ela terá um retorno 8,5 vezes maior, sob a forma de contratos obtidos com os governos que ajudou a eleger - razão por que as empreiteiras lideram com folga as listas de financiadores agrupados por setor. Doação, portanto, é eufemismo. É de investimento que se trata. Tudo isso produz uma deturpação grotesca do princípio da igualdade de oportunidades eleitorais para votantes e votados, almejada pela legislação, como requisito da representatividade que se espera do Congresso, Assembleias e Câmaras e da legitimidade dos governantes - uma coisa e outra, por sua vez, indispensáveis ao sistema democrático. Agora, pela primeira vez, surge uma perspectiva de ruptura daquele círculo vicioso. Na quarta-feira passada, o Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar uma ação impetrada em 2011 pela OAB para extinguir o financiamento de campanhas por pessoas jurídicas - e a tendência da Corte é alentadora. A argumentação dos advogados, encampada pelo relator da matéria, ministro Luiz Fux, se baseia na premissa irrefutável de que empresas não votam; só pessoas. Se não votam, não podem se intrometer no processo eleitoral - preservado o seu direito, como o de qualquer outra organização ou entidade, de promover os seus interesses nas instituições políticas. Joaquim Barbosa, o presidente do STF, destacou outra inconstitucionalidade na regra enfim contestada: a sua "influência nefasta, perniciosa, no resultado do pleito", além de "comprometer seriamente" a independência dos eleitos. É, resumiu, o infame "toma lá dá cá". Se a maioria dos ministros acompanhar os votos já proferidos, como bem poderá acontecer, acabará, também por inconstitucional, o porcentual dos rendimentos de pessoas físicas passíveis de doação a políticos (até 10%). De fato, 10% dos rendimentos de um empreiteiro milionário são uma fortuna perto da mesma parcela dos ganhos de seu motorista. A regra, em suma, consagra a desigualdade entre os eleitores. A proposta é que, em lugar de uma porcentagem, se adote um teto, em reais, compatível com o perfil da renda dos eleitores. Poderia ser um salário mínimo (R$ 678, atualmente). Se prevalecer o parecer do relator Fux, o Congresso terá dois anos para implementar as mudanças. Se não o fizer, a questão será regulada pela Justiça Eleitoral. (Para Barbosa, as novas normas entrariam em vigor tão logo publicado o acórdão do julgamento.) Os políticos - que devem os seus mandatos à "bondade de estranhos" - acusaram o STF de usurpar as suas funções e ameaçaram retaliar. Não consta que o exame da constitucionalidade das leis esteja entre as atribuições dos congressistas ou, como há quem sugira vingativamente, que as decisões do Tribunal nesse campo sejam referendadas por eles. Agitam ainda o espectro da proliferação de doações ilícitas (caixa 2), se as lícitas deixarem de sê-lo. Balela. Basta endurecer as punições aos transgressores, "promovendo" o caixa 2 de infração eleitoral a crime capitulado no Código Penal. Os brasileiros só têm a ganhar com o veto a contribuições eleitorais de empresas. A medida contém o germe de uma revolução cultural na disputa pelo voto, com menos influência do poder econômico, menos propaganda enganosa na TV - e mais respeito pela inteligência do eleitor.

Deu na Folha: O dinheiro do voto

Brasília - Confira o artigo do colunista Janio de Freitas na edição deste domingo (15) da Folha de São Paulo, defendendo a atuação do Conselho Federal da OAB, na ação que busca o fim do financiamento privado de campanhas eleitorais. O argumento mais forte contra a provável proibição, pelo Supremo Tribunal Federal, de doações eleitorais por empresas, é pobre de seriedade e paupérrimo de inteligência. Não tem fundamento afirmar que substituir as doações empresariais por pessoais vai aumentar ameaçadoramente o caixa dois nas campanhas, o dinheiro de doações encobertas, dada a óbvia razão de que não se tem nem estimativa da proporção dessa ilegalidade nas eleições passadas. O chute, difundido pelo PSDB, expressa a preocupação dos grandes beneficiários de doações empresariais. Mas implica acusar seus doadores publicamente: se as pessoas não precisam fazer doações ilegais, o aumento de caixa dois em campanhas só pode ser feito por doações clandestinas de empresas, em prática criminosa de empresários. Gente mal-agradecida, esses peessedebistas. Na preocupação dos partidos identificados com o empresariado percebe-se também o medo de que, permitidas apenas doações pessoais, os partidos mais populares levem vantagem. Os fatos não apoiam tal medo: o PT sempre precisou buscar, e recebeu, doações empresariais para suprir a estrangulante modéstia das doações pessoais, apesar do esforço para incentivá-las. Era o efeito de um condicionante econômico que pode estar mudado, mas não extinto. Por isso mesmo, as doações apenas individuais são potencialmente capazes de surpreender quem hoje as teme. Os partidos populares podem esperar maior quantidade de doadores. Mas, para cada real vindo dos seus, os do PSDB, do DEM e dos centuriões do agronegócio estão prontos para doar na proporção de dez reais por aquele real, cem por um, mil por um, sem que a carteira sequer o perceba. O ministro Gilmar Mendes, do Supremo, está tão irritado quanto os peessedebistas mais irritados com a perspectiva da mudança de doadores. Chama a ação da OAB, pelo fim das doações de empresas, de estudantada. Com uma pergunta assim, por exemplo: "Essa gente fica fora da política?" É uma sagração da empresa que nem os neoliberais fizeram: a empresa vista como gente. E portadora de cidadania, para ser parte da política. Muito original. Não tanto, porém, quando, em crítica aos quatro colegas que já votaram pela mudança, diz que "estamos [lá o Supremo] fazendo um tipo de lei para beneficiar quem estiver no poder". Dá oportunidade para observar-se uma reação fraudulenta cometida por muitos, inclusive pelos presidentes da Câmara e do Senado. O Supremo não está absorvendo função do Congresso, não está fazendo lei. Está, como lhe compete, examinando e vai decidir a compatibilidade, ou sua falta, entre a Constituição e a participação de empresas em eleições como financiadoras de candidatos, além do mais, selecionados a critério empresarial. A doação pessoal não assegura o fim do caixa dois, o dinheiro não declarado pelo candidato ou pelo partido à Justiça Eleitoral. Mas dificulta e, portanto, reduz essa violação do processo de composição do Congresso e dos governos. Logo, colabora para maior higiene política. E tende a reduzir o custo, hoje imoral, da eleição a qualquer cargo. Logo, colabora para a democratização eleitoral e para a maior legitimidade da composição dos poderes. Democratização eleitoral e legitimidade hoje degeneradas. PS - Alguma boa alma precisa avisar aos Estados Unidos que o financiamento eleitoral deles ainda não passa de estudantada. O FEITO A vida pública de Nelson Mandela permite, e não lhe faltou, uma infinidade de ângulos de abordagem, análise e avaliação. Mas, suponho, só um tem sentido. Mandela mudou a concepção de vida de uma nação, ideias consolidadas e sentimentos enraizados por várias gerações. O PIB, a segurança, a inflação, essas são as miudezas habituais que só poderiam ficar, como ficaram, com os habituais que delas se ocupam dos modos habituais. O que distingue Mandela é ter feito com uma nação o que é difícil mesmo na vida pessoal e, quando ocorre, em geral leva muito mais tempo.